22 de setembro de 2011

A Doença como Caminho


Muita distorção tem sido feita em relação a este conceito “da doença como caminho”. Estas distorções, mais uma vez, refletem a uma interpretação mecanicista de um conceito ampliado e holístico. Tudo que uma pessoa doente não precisa é ouvir de alguém uma interpretação superficial e reducionista da possível causa psicológica de sua doença. Principalmente se  a sua enfermidade  é crônica e de difícil tratamento.
Soa como uma condenação, como uma acusação e induz à culpa. Não se pode mexer na dor de alguém sem muito amor e acolhimento.
Há muitos sentimentos envolvendo o estar doente, e principalmente quando  se  trata de uma patologia complexa e de difícil tratamento. Na verdade, simplificar uma situação,  qualquer que seja, com explicações superficiais, torna-se, muitas vezes, um ato de crueldade e insensibilidade com a dor do outro.
O conceito esboçado no livro “A Doença como Caminho” é um dos mais revolucionários em relação ao tema saúde e doenças. Ajuda ao doente a encontrar um significado para seu estado, a trazer um significado para um fator comum e recorrente na vida das pessoas: a doença, as enfermidades.  Isto porque leva em consideração que mente e corpo formam uma unidade, afinal o que ocorre com o corpo reflete aquilo  que se passa na mente.
A psiconeuroimunoendocrinologia confirma e explica esta  ligação estreita entre corpo e mente. As pesquisas sobre os fatores de estresse, ligadas a neurociências, também confirmam esta ligação.
A tentativa de catalogar e correlacionar doenças e sintomas a estados mentais e emocionais é sem duvida útil, mas não pode ser usada como manual para prescrever uma análise psicossomática. Os manuais são somente guias e indicações a serem refletidos. Carecem de profundidade e não trazem uma contextualização ao achado clínico. Ninguém “cria” um estado de enfermidade porque quer conscientemente isto, a não ser que isto faça parte de um transtorno mental.
O processo de somatização ocorre inconscientemente e está ligado a um contexto e a uma história de vida. Trazer para a consciência esta correlação gera impacto, surpresa e, às vezes, muita dor. Se o individuo não estiver maduro para entrar em contato com esta realidade, o comum é cair na culpa e auto-recriminação.
Neste caso o que deveria ser um fator de libertação acaba se tornado um fator de aprisionamento e agravamento do estado do paciente.
Já basta a dor de estar doente e a falta de esperança que, muitas vezes, acompanha a doença. Não é necessário ainda mais este peso e esta culpa.
Por isso, é preciso cuidado. O indivíduo enfermo pode ser acompanhado nesta reflexão e auxiliado nesta descoberta, porém ela deve ser  feita por ele mesmo.
Se esta correlação entre sintomas físicos e estado mental não surge espontaneamente  como um insight, o médico, psicólogo ou profissional de saúde precisa de ser cauteloso ao sugerir alguma possibilidade, no sentido de permitir que o indivíduo enfermo negue, caso  não sinta  como verdadeiro para ele.
Este processo de descoberta compartilhada só pode ser realizado por um profissional de saúde habilitado para tal.  Caso contrário, o profissional corre o risco de se tornar não um agente de crescimento e significação, mas um complicador.
Para lidarmos com a dor do outro temos que ser sensíveis e profundamente humanos. Se assim não for, ao invés de agirmos como uma pinça que afasta os tecidos inflamados, movendo o agente da dor, agiremos como um bisturi que corta, insensível, um tecido já comprometido.
Por Flávio Vervloet

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